Conforme aproxima-se a revelação das indicações ao Oscar 2025, aumenta a expectativa sobre a presença do longa ‘Ainda Estou Aqui’ entre os indicados, principalmente, nas categorias de Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e de Melhor Atriz, com Fernanda Torres.

Para entrar no clima, o ator corumbaense, Luiz Bertazzo, concedeu entrevista ao Corumbá Online. Ele contou um pouco sobre a preparação para o filme, onde interpreta, com primor, o agente da ditadura, Schneider, responsável por alterar o cenário luminoso da família de Eunice Paiva, e também sobre a sua vivência e sentimentos pela Cidade Branca. Nascido em Corumbá, o ator descobriu ainda novo a sua paixão pela arte da qual vive; foi embora para realizar sonhos, mas insiste em trazer para si e para sua obra, aquilo que coleta do berço pantaneiro.

Confira a entrevista completa:

CO: Sempre emocionante ter um conterrâneo em destaque. Você nasceu e cresceu em Corumbá. Quais são as suas lembranças?

LB: Corumbá é uma cidade que ainda vive em mim, fui criado muito solto, brincando na rua, fazendo teatro na escola. Acho Corumbá uma cidade muito poética e comecei a fazer teatro, justamente, com poesia de Manoel de Barros. Lembro eu e meus amigos tomando tereré e tocando violão na avenida, no porto, lembro das minhas tardes no ILA fazendo teatro. Corumbá é uma cidade muito rica culturalmente e eu sinto que isso me moldou como artista. Acho que isso fortaleceu muito meu imaginário. Tenho muitas lembranças boas da cidade e, sempre que consigo, eu retorno para ver o pôr do sol que é, na minha opinião, o mais bonito do mundo. 

CO: Após tanto tempo fora, ainda se sente conectado com a cidade? de que forma?

LB: Eu tive por muitos anos uma dupla cidadania, digamos assim. Fui criado em Corumbá e minha personalidade sempre foi meio de interior, meio do mato. Aos 18 anos fui morar em Curitiba, fazer faculdade de Artes Cênicas e acabei virando um ator curitibano, o que é muito bom no cenário artístico, pois Curitiba é vista como uma ótima formação para atores e atrizes. Mas hoje em dia, morando em São Paulo, essa minha identidade pantaneira tem sido ainda mais presente nas minhas falas, nas minhas escolhas. Eu tenho muito orgulho de ser corumbaense, sempre tive, mas quanto mais eu vou envelhecendo parece que mais Corumbá permanece em mim. 

CO: Você comentou que tem planos de rodar um filme por aqui. Qual é a motivação? Pode dar um spoiler sobre o tema e a produção?

LB: Ainda é muito cedo para falar dessa produção, mas o filme é sobre uma personagem que retorna para Corumbá depois de uma grande período fora, se reconecta com a Cidade e assume sua identidade pantaneira. Acho que de alguma forma isso fala sobre meu próprio movimento de redescoberta da cidade, da minha origem e identidade. Ano passado eu tive que refazer meu RG e fiz questão de ir para Corumbá refazê-lo e é exatamente por esse o motivo que a protagonista do meu filme volta pra cidade, mas é obrigada a permanecer, pois o fogo no Pantanal cancela seu vôo de volta pra cidade em que mora hoje em dia. Então o filme fala um pouco também dessa luta da cidade contra o fogo.

CO: Há muito tempo atua no audiovisual, mas é recente a repercussão que ganhou da imprensa cultural. Como surgiu a oportunidade de trabalhar em Ainda Estou Aqui?

LB: Foi como a maioria dos trabalhos que faço, eu entrei por teste. Uma coincidência interessante é que a produtora de elenco, a Letícia Naveira, é também sul-mato-grossense, ela é de Campo Grande, mas a gente só foi se conhecer depois que fui aprovado para o papel, e tivemos uma conexão maravilhosa. Quando fomos a Veneza ver a estreia do filme, choramos muito no abraço, de estarmos emocionados, de sermos representantes do nosso estado ali. 

CO: Alguns atores relatam que, fora do set, mantêm as personalidades da personagem, às vezes como um fardo. O seu papel no longa foi de um agente da ditadura, o Schneider, como foi lidar com este papel durante a preparação e ao longo da atuação?

LB: Para mim, essa questão é super resolvida. É como aquela música do Lulu Santos ” não leve o personagem pra cama” eu sou assim. Schneider ficou naquela casa. Mas durante o processo de alguma forma eu me conectei com as sombras que circulam o tema, fazer um papel como esse exige um compromisso com a denúncia que se quer fazer. Então eu usava esse desconforto que eu sentia pessoalmente para transformar em olhares e gestos que gerassem desconforto no espectador. Todo momento eu pensava em como representar essa coisa horrível que foi a ditadura de uma maneira sutil que entrasse profundamente na mente das pessoas, e para isso foi necessário criar muitas imagens na minha cabeça para usar na atuação. E as imagens que entrei em contato foram perturbadoras. Mas volto a dizer… Tudo isso ficou lá. 

CO: Qual foi a sua reação a conquista da Fernanda Torres no Globo de Ouro?

LB: Foi uma explosão de emoção. Eu estava sozinho no quarto de hotel, pois estou filmando fora da minha cidade. Na hora eu chorei de emoção, a sensação que o Walter Salles falou em uma das entrevistas é que o Globo de Ouro premiou a alma do filme. Esse prêmio representa não só a confirmação do que já sabíamos, de que a Fernanda é uma atriz excepcional, mas representa também a luta de Eunice Paiva e de nós brasileiros em defesa da democracia, que nos últimos anos vem sendo atacadas de uma maneira absurda e violenta. 

CO: O filme foi indicado ao Bafta e ainda pode concorrer ao Oscar, quais são suas expectativas? E como você percebe a importância destas premiações?

LB: Eu estou torcendo muito pelo Oscar, e acho que temos muita chance de indicações e da Fernanda ser novamente premiada. Mas a grande conquista do filme já se deu em nosso território, ter o filme sucesso de bilheteria no Brasil, mostrando a força das nossas narrativas, a arte foi muito atacada nos últimos anos, então esse prêmio, esse movimento nos cinemas, vem pra desmontar o discurso de muita gente careta, covarde e desinformada.

CO: Por último, qual é o seu desejo em relação ao cinema nacional?

LB: Desejo que ele se renove a cada ano, que venham mais obras com projeção internacional e que, principalmente, o Governo Federal e Estadual entendam que o cinema gera um retorno para a economia, maior que não a indústria farmacêutica, por exemplo. Que há geração de emprego, não só para os atores que estão em cena, mas profissionais do transporte, da alimentação, em alguns casos do turismo. Então essa é uma arte que precisa sempre ser valorizada e apoiada financeiramente, para que artistas de várias classes sociais possam ter recursos para colocar em prática suas visões.

Por Maria Eduarda Metran

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